QUAL É A SUA ESTRATÉGIA DIGITAL?
Essa simples pergunta geralmente deixa os CEOs de empresas tradicionais em pânico. Eles acreditam que as tecnologias digitais e os modelos de negócios representam uma ameaça existencial à sua forma de fazer negócios — e é claro que estão certos. Mas a pressão que sentem frequentemente os leva a correr riscos altíssimos — e isso geralmente é um erro.
A Jio Platforms, uma das maiores empresas de telecomunicações da Índia, é um exemplo disso. Em 2020, ela lançou uma ambiciosa iniciativa para criar um ecossistema digital completo. Isso envolveu uma equipe dedicada de mais de 200 profissionais distribuídos entre Mumbai e Bangalore, trabalhando para desenvolver uma plataforma que integrasse serviços financeiros, compras, entretenimento e saúde em um único aplicativo. A ideia era revolucionar a forma como milhões de usuários indianos acessam serviços digitais, além de gerar receitas por meio de parcerias com grandes players globais, como o Facebook. Contudo, apesar do enorme investimento e do entusiasmo inicial, o aplicativo enfrentou dificuldades para conquistar adoção em massa. A complexidade do sistema e a resistência dos consumidores levaram ao abandono do projeto principal e a um redirecionamento das iniciativas digitais para áreas mais específicas.
No entanto, a Jio Platforms ainda enfrenta desafios significativos e não pode se dar ao luxo de realizar outros investimentos de grande porte sem garantir retorno imediato.
E, na verdade, não é necessário. O fato de uma ameaça ser enorme não significa que a resposta precise ser igualmente grandiosa. Pelo contrário, empresas como a Jio Platforms seriam muito mais bem-sucedidas se adotassem uma abordagem incremental para a transformação digital ao longo do tempo. Embora devam sempre ter uma visão clara de onde querem chegar, elas devem trabalhar continuamente para identificar e digitalizar processos problemáticos em suas operações principais. Ao lidar com esses projetos, elas aprenderão quais métricas usar, quais hipóteses revisar, onde podem introduzir novos modelos de negócios e quem serão seus novos concorrentes. E, à medida que absorvem essas lições, sua visão do cenário competitivo e as metas de longo prazo que estabeleceram para si mesmas inevitavelmente evoluirão.
Já existe um processo para esse tipo de abordagem de aprendizagem contínua da estratégia: o planejamento orientado por descobertas (DDP = Discovery Driven Planning). Foi desenvolvido na década de 90 como uma metodologia de inovação de produtos e, mais tarde, foi incorporado ao popular kit de ferramentas "lean start-up" para o lançamento de empresas em um ambiente de alta incerteza. Em seu centro está um processo de baixo custo para testar rapidamente as suposições sobre o que funciona, obter novas informações e minimizar os riscos.
Daqui em diante vamos descrever como uma forma adaptada de DDP pode ajudar as empresas estabelecidas a enfrentar os desafios digitais e aprender o caminho para um novo modelo de negócios. Vamos começar analisando mais detalhadamente por que uma transformação passo a passo funciona melhor para as empresas tradicionais do que a abordagem do tipo "tudo ou nada" que caracteriza o pivô de uma start-up.
A vantagem incremental das empresas estabelecidas
Há muito tempo os economistas se perguntam por que as empresas existem e, em um nível mais granular, quais tarefas pertencem aos limites de uma determinada empresa. Uma linha de pensamento, iniciada por Ronald Coase na década de 1930, sugere que, sob certas condições, as transações de mercado muitas vezes não são satisfatórias para os indivíduos: quando é difícil ou caro obter informações sobre o que se deseja comprar, quando é difícil fazer pechinchas porque as informações são assimétricas e quando é caro ou desafiador fazer cumprir os acordos. Se qualquer uma dessas condições se aplicar, faz sentido manter as atividades envolvidas em uma empresa.
Até pouco tempo atrás, os limites entre empresas e mercados eram bem compreendidos e relativamente fixos. No entanto, as tecnologias digitais mudaram tudo isso, possibilitando o uso dos mercados para uma série de trabalhos que antes eram realizados de forma mais eficiente dentro das empresas. Plataformas como Alibaba e Amazon facilitaram a terceirização de funções como seleção de fornecedores, negociação de preços, execução de contratos, gerenciamento de pagamentos e muito mais.
Como resultado, os executivos das empresas que nasceram digitais têm suposições sobre como as transações devem ser estruturadas que são completamente diferentes das dos executivos das empresas tradicionais. Além disso, como as estruturas das empresas digitais estão evoluindo o tempo todo, seus gerentes revisam essas suposições com frequência. As empresas de venda direta ao consumidor (pense na Zissou, de colchões, na Dr. Jones, de produtos para barbear, e na Lema21, de óculos) estão constantemente experimentando e ajustando recursos como frete grátis, pacotes de produtos, bônus para adicionar itens e assim por diante.
Essas táticas simplesmente não estão disponíveis para um vendedor em exercício por meio de distribuidores. E como os negócios digitais eliminam os intermediários, eles podem ser lucrativos em uma escala muito menor.
Uma das principais consequências de tudo isso é que as start-ups digitais podem mudar de direção, ou se movimentar, sem destruir muito valor. Em geral, elas não são tão intensivas em capital e não têm grandes folhas de pagamento. Um exemplo é a Urban Jungle, uma startup europeia que começou vendendo plantas diretamente de pequenos depósitos para consumidores e, só mais tarde, expandiu suas operações. Para essas empresas, o fracasso é relativamente barato - a menos que aconteça tarde (ou que os investidores sucumbam ao mantra do crescimento a qualquer custo que está destruindo a sorte de muitas das chamadas unicórnios).
Os funcionários, gerentes e acionistas das empresas tradicionais, no entanto, não podem se movimentar sem destruir valor. Se suas apostas digitais fracassarem, os trabalhadores perderão seus empregos e os ativos físicos terão de ser vendidos a preços baixos. E, ao contrário dos capitalistas de risco que apoiam as start-ups, os investidores do que antes era uma empresa segura podem não ter o bônus de investimentos de alto retorno para compensar suas perdas.
Mas, embora as empresas estabelecidas não consigam se adaptar facilmente, a boa notícia é que elas não precisam fazer isso. Pense no que as grandes empresas podem fazer que as start-ups não podem. Os empreendimentos empresariais quase sempre exploram uma única ideia. Normalmente, eles não podem experimentar várias versões da mesma ideia ao mesmo tempo, muito menos várias ideias. Uma grande empresa, por outro lado, tem os recursos para explorar uma variedade de ideias e pode experimentar mais facilmente diferentes processos e operações, o que aumenta a probabilidade de descobrir uma ideia eficaz comparado com uma start-up. Isso também dá a uma grande empresa uma chance maior de responder de forma eficaz a um desafio digital.
Veja o caso da Gerdau, gigante brasileira do setor de metais. Em vez de realizar um grande investimento para criar uma plataforma digital disruptiva, a empresa seguiu uma abordagem incremental. Nos primeiros anos, concentrou-se em digitalizar processos manuais, criando ferramentas como lojas online, portais para contratos e sistemas de gerenciamento de pedidos. Esses esforços permitiram à Gerdau adquirir competências digitais e criar uma plataforma robusta que conecta a empresa aos seus clientes de maneira eficiente.
A história da Gerdau revela outra vantagem que as empresas estabelecidas têm, pelo menos nos estágios iniciais da adoção de modelos digitais por um setor. Elas são lideradas por pessoas que já conhecem seus clientes e podem explorar bancos de dados ricos de transações anteriores para obter insights. As start-ups geralmente são lideradas por especialistas técnicos e tendem a ser orientadas por novas funcionalidades técnicas ao invés do portfólio completo que os clientes estão procurando. Se você colocar uma equipe de pessoas que conhecem os clientes, terá (muito) mais chances de fazer seu investimento digital render. É por isso que a Gerdau insistiu para que cada projeto se concentrasse em como ajudar os clientes a se comunicarem de forma mais fácil e eficiente com a empresa. Essa não é a única meta a ser definida, é claro. Outra empresa pode começar com a prioridade de reduzir o tempo de espera na comunicação com os clientes. Mas seja qual for o objetivo, ele deve enquadrar a tecnologia como uma oportunidade para o negócio, em vez de enquadrar o negócio como uma oportunidade para a tecnologia.
Uma vez que você aceita a ideia de que as empresas devem ter como objetivo a disrupção de uma maneira não disruptiva, o desafio é sutilmente transformado de "Que novo modelo de negócios devemos apoiar?" para a pergunta mais sutil: "Como podemos aprender nosso caminho em direção a um modelo adequado para nossos negócios?" É aí que entra o DDP.
Um Problema
Empresas estabelecidas gastam bilhões tentando se transformar em orquestradores digitalizados de algum novo ecossistema, apenar para cair de cara no chão.
Por que isso acontece
Os CEOs acreditam que a ameaça existencial representada pelos desreguladores digitais exige uma resposta gigantesca e destruidora de modelos.
A Solução
Adotar uma abordagem experimental: transformação digital orientada pela descoberta. Procure problemas para resolver com tecnologia digital, mas explore seu rico conhecimento atual sobre todos os processos como: relacionamento com clientes, escopo operacional e profundos grupos de talentos, enquanto aprende o caminho para um novo modelo de negócio.
O contexto digital
O DDP é um pouco como a engenharia reversa. Quando você o utiliza no desenvolvimento de produtos, começa imaginando a oferta que deseja criar e, em seguida, calcula o que precisa mudar para chegar lá. No entanto, ao aplicá-lo às transformações digitais, o foco está em reinventar a maneira como você vende e entrega os produtos que já fabrica, bem como em identificar como criar e entregar novo valor por meio de novos recursos digitais.
Veja o caso da geração de energia. As tecnologias digitais estão revolucionando esse setor outrora estável, assim como muitos outros setores.
Tradicionalmente, a energia era gerada a partir de uma fonte central e enviada ao seu destino por meio de uma rede gerenciada centralmente. Mas novos avanços tornaram possível distribuir dinamicamente a energia gerada por pequenos produtores dispersos que utilizam várias fontes de energia. Pessoas com painéis solares em seus telhados ou moinhos de vento em seus jardins podem vender o excedente de energia de volta à rede, tornando o custo de investimento das residências em equipamentos de geração de energia mais acessíveis e reduzindo a dependência do público em relação às enormes usinas de energia de combustíveis fósseis. Se as empresas estabelecidas presumirem que o antigo modelo de negócios será a previsão do sucesso futuro, é provável que cometam grandes erros. A aposta fracassada da General Electric no domínio contínuo das usinas elétricas baseadas em combustíveis fósseis é um exemplo dramático.
Vamos explorar o que está envolvido na aplicação de uma abordagem DDP às transformações digitais. Há cinco etapas principais:
1) Definir a experiência operacional
Não se trata apenas de digital. Antes de investir em uma linha de atuação, procure o que não está funcionando bem em sua operação. Onde você precisa (1) frequentemente resolver com "jeitinhos", (2) interromper um processo inesperadamente para buscar mais informações ou (3) envolver outra pessoa? É provável que essas sejam áreas que a digitalização pode melhorar. Em seguida, pense em como redesenhar suas operações para que a tecnologia agregue valor, tornando as operações e os processos melhores, mais rápidos, mais baratos ou mais convenientes.
No Brasil, a varejista Magazine Luiza é um exemplo marcante de uma empresa que reconfigurou sua operação comercial para criar vantagens competitivas que participantes apenas digitais não conseguiram replicar. No início da década de 2010, a empresa enfrentava desafios semelhantes aos de outros varejistas tradicionais, especialmente a concorrência crescente de plataformas de comércio eletrônico como Mercado Livre e Amazon. A prática conhecida como "showrooming", onde os consumidores visitam lojas físicas apenas para depois comprar os mesmos produtos on-line por preços mais baixos, ameaçava enfraquecer ainda mais o modelo tradicional.
Frederico Trajano (filho da fundadora Luiza Helena Trajano), CEO da Magazine Luiza, liderou uma transformação que reposicionou a empresa como uma plataforma híbrida digital e física. A estratégia começou com a implementação do projeto LuizaLabs, um núcleo de inovação focado em desenvolver soluções tecnológicas internas. A partir daí, o Magazine Luiza integrou a experiência digital com a física, oferecendo funcionalidades como a possibilidade de comprar on-line e retirar os produtos em lojas físicas. Isso reduziu custos de entrega para a empresa e eliminou o tempo de espera para os consumidores.
Além disso, a Magazine Luiza investiu em iniciativas para transformar suas lojas físicas em hubs logísticos, permitindo uma entrega mais rápida e barata em diversas regiões. Por exemplo, 80% das entregas da empresa chegam em até 48 horas, um diferencial difícil de ser alcançado por concorrentes que operam exclusivamente on-line. A empresa também capacitou seus funcionários em tecnologia e atendimento ao cliente, reforçando a experiência humana como um diferencial competitivo.
Outro aspecto inovador foi o marketplace da empresa, que trouxe pequenos varejistas para dentro da plataforma. Isso não apenas ampliou a oferta de produtos como também reforçou a posição da Magazine Luiza como uma plataforma completa, competindo de igual para igual com gigantes internacionais.
A história da Magazine Luiza ilustra a importância de repensar o uso dos ativos existentes e de explorar novas formas de colaboração com parceiros. Assim como a Best Buy nos Estados Unidos, a Magazine Luiza transformou seus imóveis físicos, sua expertise local e suas relações com fornecedores e clientes em vantagens competitivas, mostrando como empresas tradicionais podem se adaptar e prosperar em um mercado cada vez mais digital.
2) Concentre-se em problemas específicos: Identificar resultados e métricas de progresso
A principal pergunta em qualquer estratégia de transformação digital é: "Como podemos usar os dados e os recursos digitais para criar um novo valor para nossos clientes?" O processo DDP traduz esse desafio em metas claras para o projeto.
Uma métrica tradicional de sucesso para novos projetos, ainda hoje, é o retorno sobre o investimento (ROI). Mas o ROI não ajuda a entender diretamente o valor que um projeto agrega aos clientes. Além disso, para calculá-lo, você precisa estimar tanto os investimentos quanto os retornos, algo que, no início, pode ser impreciso. Em vez disso, é mais eficaz identificar métricas ligadas diretamente às melhorias específicas esperadas das iniciativas digitais.
Por exemplo, uma ferramenta útil é a tabela "de-para", que descreve um problema inicial (de), como a solução o transforma (para) e uma forma de medir o progresso. Testar e ajustar continuamente essas suposições faz parte do processo DDP. Adicionalmente, é possível registrar os custos de cada iteração e o que foi economizado ou agregado em valor.
Na Gerdau, uma das maiores siderúrgicas do mundo, a transformação digital começou com iniciativas que visavam simplificar e automatizar processos internos, como o gerenciamento de pedidos e estoques. Um exemplo foi a implementação de sistemas avançados para prever a demanda e ajustar a produção em tempo real, reduzindo custos e melhorando a eficiência operacional. Com o tempo, a empresa expandiu para iniciativas mais ambiciosas, como o uso de inteligência artificial para monitorar e otimizar os fornos de produção, resultando em ganhos consideráveis na eficiência energética.
Para medir o progresso da transformação digital, uma métrica eficaz é o Retorno sobre o Tempo Investido (ROTI - do inglês return on time invested). Ele é calculado dividindo a receita total pelo número de funcionários, demonstrando como os investimentos em tecnologia aumentam a produtividade.
Ao aplicar essa métrica, podemos comparar empresas do setor de varejo digital no Brasil. Em 2023, a Magazine Luiza (Magalu) registrou uma receita líquida de R$ 99,2 bilhões com aproximadamente 49.000 funcionários, resultando em um ROTI de cerca de R$ 2,02 milhões por funcionário. Já a Via (Casas Bahia e Ponto), usando dados disponíveis de 2022, apresentou uma receita de cerca de R$ 35 bilhões com um quadro estimado de 40.000 funcionários, alcançando um ROTI de R$ 875 mil por funcionário. Esses números mostram como a Magalu, com uma estratégia digital robusta e integrada, conseguiu um desempenho por funcionário 131% maior que o da Via, destacando os impactos de uma transformação digital bem-sucedida.
Essa comparação evidencia a importância de alinhar métricas como o ROTI aos objetivos específicos das iniciativas digitais. Ele não só mostra resultados concretos, mas também ajuda a priorizar investimentos que proporcionem maior eficiência e geração de valor.
3) Cadê a concorrência: enxergue além
Os limites de setor se tornaram tão indistintos que os códigos de classificação industrial padrão (SIC) são mais ou menos inúteis agora. Isso, por si só, é uma das razões pelas quais as abordagens convencionais de elaboração de estratégias baseadas em suposições de limites estão falhando com as empresas estabelecidas.
Sugerimos que os líderes, em vez disso, pensem no campo da concorrência não como um mercado em que jogadores semelhantes oferecem produtos e serviços rivais, mas como o que os estrategistas chamam de arena. Uma arena é definida por uma necessidade do cliente. Por exemplo, a recomendação de que as empresas ferroviárias se vejam como concorrentes no negócio de transporte contra companhias aéreas, ônibus, caminhões e até mesmo carros particulares. Se os passageiros ferroviários são um mercado, os usuários de transporte constituem uma arena.
As empresas nascidas digitais inteligentes já pensam dessa forma. Por exemplo, a Netflix deixou bem claro que não pretende competir apenas com a televisão ou o cinema pelo tempo dos espectadores. Ela pretende competir com todas as atividades de lazer possíveis que uma pessoa possa fazer em vez de assistir ao conteúdo de streaming. A empresa vê as empresas de mídia tradicionais como suas rivais, é claro, mas sua liderança também considera revistas, livros, podcasts e eventos esportivos como concorrentes.
Nesse ponto do processo, você deve voltar e determinar se os resultados e as métricas de sucesso que você definiu nas etapas um e dois são razoáveis, considerando a arena em que você está competindo. Por exemplo, sua categoria está perdendo share of wallet (quantidade de dinheiro que o cliente médio dá a sua marca em vez de marcas concorrentes) para outras na arena ou está se mantendo? A Netflix tem muito espaço para atingir suas metas de crescimento, pois o total de horas de exibição de vídeo está aumentando e grande parte desse crescimento vem do streaming de vídeo.
4) Procure por plataformas: Não se esqueça das implicações do ecossistema
Na economia digital, a tentativa de se tornar um intermediário por meio do qual outras pessoas compram e vendem mercadorias é uma estratégia extremamente popular. É um modelo de negócios atrativo porque, uma vez que os dois lados de um mercado se conectam a uma plataforma, é difícil abandoná-la devido aos efeitos de rede, em que o valor da plataforma aumenta proporcionalmente ao número de usuários conectados. Um exemplo disso é o modelo adotado pela iFood, que conecta restaurantes e consumidores finais, além de entregadores, criando um ecossistema digital robusto.
Uma plataforma também demanda menos capital. Por exemplo, para operar um restaurante convencional, é necessário possuir um espaço físico, equipe, equipamentos, estoque e sistemas de reserva. O iFood, por outro lado, utiliza o ecossistema dos restaurantes para oferecer essas soluções, limitando-se à função de conectar restaurantes e consumidores, gerenciar transações e logística por meio de tecnologia, algo escalável de forma praticamente ilimitada.
Para identificar oportunidades de criar plataformas, utilizamos a ferramenta chamada cadeia de consumo do cliente, que analisa todas as etapas que o consumidor percorre ao realizar uma tarefa, desde a conscientização da necessidade até a conclusão de um serviço ou descarte de um produto. A tecnologia digital permite transformar vários elos dessa cadeia em transações abertas, oferecendo oportunidades para soluções inovadoras.
Essa dinâmica pode parecer uma ameaça às empresas tradicionais, mas elas possuem vantagens consideráveis: funcionários com conhecimento técnico aprofundado e compreensão das dores dos clientes, algo que pode ser decisivo para o sucesso.
Na Gerdau, por exemplo, a digitalização possibilitou não apenas automação de processos, mas também a criação de ecossistemas. Uma das iniciativas da empresa foi o desenvolvimento de um marketplace digital de metais, onde clientes podem acessar cotações em tempo real, fazer pedidos sob medida e contar com serviços adicionais, como corte e personalização de peças de aço. Esse movimento não apenas simplificou processos, mas também criou um ambiente digital para co-criação de soluções com clientes industriais.
Esse processo foi impulsionado pela combinação do expertise de seus profissionais com tecnologias digitais, como inteligência artificial e big data. O resultado é um modelo de plataforma que aumenta a transparência, reduz atritos e entrega soluções de maior valor agregado.
No entanto, construir uma plataforma de sucesso é desafiador. Há vários exemplos de tentativas que fracassaram. Um caso relevante é o da IBM Watson Health, uma plataforma projetada para integrar e analisar dados de saúde para fornecer insights médicos. Embora inovadora, a solução enfrentou desafios relacionados à sua complexidade, custos elevados e dificuldades em atender às expectativas dos clientes. Esses problemas limitaram a adoção e reduziram seu impacto no mercado.
Empresas que tentam criar plataformas precisam equilibrar foco, simplicidade e alinhamento com as reais demandas do mercado. Assim, um dos maiores desafios é construir capacidades progressivamente e evitar assumir uma amplitude excessiva desde o início.
5) Teste suas suposições: Os fracassos também são lições
Uma das ferramentas mais populares do DDP é a tabela de pontos de controle de suposições. Para criá-la, basta listar os próximos marcos pelos quais seu projeto digital passará, quais suposições precisam ser testadas em cada um deles e, se possível, quanto esse teste custará. Essa abordagem é valiosa porque muda a conversa de "Ah, você estava errado, isso foi um fracasso" para "Valeu a pena pagar esse preço para aprender o que precisávamos aprender?".
Veja como o Woba (inicialmente BeerOrCoffee), uma plataforma brasileira que conecta pessoas a espaços de coworking, testou suposições na sua fase inicial. Seus fundadores identificaram a dificuldade que profissionais tinham em encontrar espaços flexíveis para trabalho remoto. Para validar essa percepção, eles criaram um site básico com informações sobre possíveis locais e pediram que usuários interessados se cadastrassem para receber mais detalhes. O volume de cadastros foi suficiente para confirmar o interesse e justificar a criação do produto.
Eles começaram testando um modelo simples, listando apenas os espaços mais populares em algumas cidades e oferecendo uma assinatura básica. Após validarem a aceitação, expandiram para incluir mais cidades e opções de plano. Hoje, o Woba é uma referência no segmento, com milhares de espaços disponíveis em sua plataforma.
Muitas grandes empresas também adotaram uma mentalidade de "testar e aprender". Por exemplo, o Movidesk, um software brasileiro de atendimento ao cliente, utiliza testes contínuos de funcionalidades em versões beta antes de um lançamento completo, para coletar feedback de usuários e ajustar recursos. Essa estratégia reduz riscos e melhora a adoção de novas ferramentas.
Outra aplicação interessante é a abordagem da TOTVS, líder em tecnologia empresarial no Brasil. Em um de seus projetos, a empresa testou mudanças no design de interfaces de ERP (sistemas de gestão) com diferentes grupos de clientes. Ao criar protótipos simples e coletar feedback iterativo, eles evitaram investimentos excessivos em designs que não atendiam às expectativas. Essa metodologia permitiu que a TOTVS lançasse atualizações mais relevantes e funcionais, alinhadas às reais necessidades dos usuários.
No entanto, nem todos os experimentos levam a resultados positivos, e isso faz parte do processo de aprendizado. A TOTVS enfrentou desafios ao testar uma interface de dashboard unificada para várias soluções. Embora a ideia fosse simplificar a navegação, os testes revelaram que o design inicial confundia usuários de diferentes segmentos. A empresa reavaliou e redesenhou o projeto com base nas lições aprendidas, economizando tempo e recursos que poderiam ter sido desperdiçados com um lançamento direto.
Testar suposições é essencial para o sucesso na transformação digital. Aprender com os erros não é apenas inevitável — é uma oportunidade para crescer e entregar mais valor.
A Recompensa
A transformação digital é complexa e exige novas maneiras de abordar a estratégia. Começar grande, gastar muito e presumir que você tem todas as informações provavelmente produzirá um ataque total de anticorpos corporativos - tudo, desde a aversão ao risco e o ressentimento em relação ao seu projeto até a simples resistência à mudança.
Uma abordagem orientada à descoberta faz com que os líderes ultrapassem as barreiras comuns à transformação digital. Começando com pouco, gastando um pouco em um portfólio contínuo de experimentos e aprendendo muito, é possível conquistar os primeiros apoiadores e adotantes. Em seguida, avançando rapidamente e demonstrando um impacto claro nos indicadores de desempenho financeiro, você pode criar um caso e aprender o caminho para uma estratégia digital. Você também pode usar seus projetos de digitalização para iniciar uma transformação organizacional. À medida que as pessoas se sentem mais confortáveis com as comunicações e atividades horizontais que as tecnologias digitais permitem, eles também adotarão novas formas de trabalho.
As empresas estabelecidas têm algumas grandes vantagens sobre os novos concorrentes: clientes pagantes, recursos financeiros, dados de clientes e de mercado e maiores grupos de talentos. Mas os CEOs terão que integrar agilidade e inovação em suas organizações mais amplas e comunicar as novas formas de pensamento digital, minimizando a interrupção de seus negócios existentes. Uma abordagem orientada por descobertas oferece uma maneira de enfrentar esses desafios.
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